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FILHOS! APENAS FILHOS!

Dia desses fui cantar numa certa igreja e ao final do culto, fui levado até uma saleta onde seria servido um lanche. Num dado momento, o pastor que me recepcionava simpaticamente começou a me apresentar sua família. E dizia ele: essa aqui é minha esposa fulana, essa é minha filha sicrana, esse é meu filho beltrano e essa aqui é fulana, minha filha adotiva. Ficaria tudo bem, se eu não tivesse percebido um brilho desaparecer dos olhos dessa adolescente, e seu sorriso, de radiante, tornar-se simplesmente constrangido.


Minha primeira vontade foi a de abraçar essa moça, numa tentativa talvez de suavizar-lhe o deslocamento pelo impacto negativo que aquela apresentação lhe causou. Mas refleti rapidamente e fingi que nem ouvi a discriminação, dedicando-lhe o mesmo sorriso e o mesmo aperto de mão que já havia dedicado aos seus irmãos. O meu abraço - naquele momento específico - também poderia tê-la feito sentir-se discriminada, pois ela perceberia ter sido tratada diferente dos outros. São armadilhas sutis de comportamento, que se a gente não estiver mesmo presente de espírito, a gente cai direitinho! Uffffa!


Fiquei refletindo depois, no carro, já voltando pra casa, sobre o motivo que leva pais adotivos a fazerem essa distinção na apresentação dos adotados. Se deve haver um princípio de igualdade desfrutado pelos filhos, uma pessoa nunca deveria retirar uma criança de um orfanato se for usá-la sempre para fazer esse tipo de apresentação, que mais se parece com uma farisáica tentativa de informar ao mundo à sua volta que se praticou a boa ação de adotar uma criança. O que para esse pai ou mãe parece ser uma anunciação de bom caráter, para a criança soa na verdade como um convite ao constrangimento, pelo simples fato de que nenhuma criança se diverte sendo apresentada como “o estranho do ninho”. Como é difícil identificar as armadilhas da vaidade , não? Pois é... Se orienta, pai! Se liga, mãe!
Quando uma criança está num orfanato, ou numa FUNABEM dessas da vida, ela se sente, apesar de não ter um lar, irmanada a todas as crianças que estão à sua volta, e sente-se de alguma forma inserida num ambiente de igualdade que não é relativa, é REAL! Ela passa pelas mesmas dificuldades das outras, as mesmas desvantagens ou vantagens, com o mesmos direitos e deveres, e isso a torna aceita com integralidade naquele ambiente. Ali pode expor seus medos e inseguranças sem o fantasma da censura, pois quem ali à sua volta não tem também medos e inseguranças?


No entanto, quando é adotada, a criança pretende finalmente elevar-se! Sentir-se segura e desfazer-se dos medos que antes possuía, desfrutando finalmente de uma família que resolveu absorvê-la como um membro natural. Quando isso não acontece, e aquilo que antes era um sonho de libertação se transforma em um grilhão de vergonha, ela sente-se inferiorizada, desclassificada e muitas vezes, desprezada. Todas essas frases melosas e aparentemente bem intencionadas que adjetivamos para distingui-las, como por exemplo “filhinho(a) adotivo(a)”, ou meu “filho-do-coração” etc. tudo isso são mórbidas e inconscientes tentativas de parecer ao nosso próximo que somos bem-feitores, ou seja, algumas pessoas usam a adoção para passar à sociedade uma falsa idéia de que é solidário, mas quando usam essas classificações separadoras entre seus filhos naturais e os adotivos, fazem o adotado sentir saudade do convívio do orfanato, onde era igual a todos os outros. Então, senhores pais adotivos, não se deixem seduzir pela armadilha de querer parecer bom samaritano, e parem de apresentar de forma distinta seus filhos naturais dos adotivos, principalmente quando eles estiverem juntos. Lembrem-se que a esperança do adotado não é apenas ter uma comida melhor, brinquedos novos e boa escola, mas principalmente a esperança de sentirem-se FILHOS, sem nenhum adjetivo acrescentado a essa palavra. Não caiam na tentação da vaidade de parecerem justos ou bem-feitores da humanidade, mas apresentem seus filhos adotivos como apresentam os naturais, e vocês vão ver surgir um amor verdadeiro e incondicional entre essas crianças e vocês. Os filhos naturais não vão se sentir ultrajados, pois já sabem quem são, mas essa atitude fará uma incomensurável diferença no tipo de afeição que os adotivos passarão a ter por vocês. Não será uma afeição fingida, mas uma afeição CONQUISTADA.

Autor: Sergio Lopes

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