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Na fronteira da conveniência

Alviño


Wilson Figueiredo

Crônica Política


Demorou, mas tudo indica que alguma coisa começa a mudar na avaliação dos dois governos Lula. A responsabilidade pelo estado geral de desconforto deixou de ser cobrado pela classe média ao presidente. Ganha consistência o modo contrário de entender que a eleição de Lula, e principalmente a reeleição, é que foi o resultado do amoralismo político que ganhou vulto na vida política graças às revelações desencavadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Em miúdos: não foi Lula quem fez o Brasil deste jeito, e sim este Brasil desabonador foi que, por duas vezes seguidas, deu a vitória a ele. Sem dúvida, deve ter tido razão para tanto. Esta é a metamorfose ocorrida na opinião pública, que passou a fazer do presidente a mais alta avaliação, desde que se pratica o método de medir governos e governantes.


Ainda não é possível uma leitura diferente da participação direta do presidente na campanha pela eleição de prefeitos e vereadores. Está em curso a batalha eleitoral em que Lula tem presença discutível, dado o tom de militância política e não de eqüidistância política. O presidente incorreu no desagrado até dos partidos que o apóiam e não calam a lamentação. Mas é cedo para considerar hipóteses que vão balizar a sucessão presidencial. Lula zela pela relação proveitosa para ele, entre a eleição atual e a de 2010, e até exagera na exploração da popularidade que transborda do seu discurso eleitoral. O último lance relativo à sucessão, daqui a dois anos, foi a contundente desautorização do seu círculo áulico, por lançar cedo demais a tese do terceiro mandato. Foi o ponto de partida para firmar a candidatura Dilma Rousseff, esfriar os atritos e isolar cada vez mais a oposição. Além de contornar a etapa de consulta aos partidos que servem ao governo, e gostariam de discutir vantagens. Lula acredita estar de posse de uma confiança inabalável por parte dos que estão em condições de servi-lo, a preço variável com as circunstâncias. Mesmo a custo elevado, que importa? Nunca foi diferente, exceto nos custos operacionais e nas aparências de neutralidade fictícia e hipócrita. Sente-se vacinado contra tentações imediatistas, até a arrancada eleitoral de 2010, mas é exatamente aí que pode estar enrustido o perigo.


A aprovação de 64% (Datafolha) da população requer treinamento espartano para não exceder a fronteira da conveniência, nem perder o senso de oportunidade. Só falta a oposição, pelos seus titulares mais credenciados, dar a mão à palmatória e reconhecer que alguma razão o povão tem (e que ela não levou na devida conta). É por aí que outros aspectos explicam a dificuldade para a oposição engolir o sucesso de Lula e, implicitamente, assimilar o desânimo pela oportunidade perdida quando estava no poder. Nunca imaginou que o efeito social fosse de tão baixo custo e de tão amplo alcance político.


Pois bem. Vai ficar cada vez mais difícil resolver antes da sucessão presidencial, daqui a dois anos, as incompatibilidades de egos federais desenvolvidas nesse nível. Tanto quanto Lula e o PT foram incapazes de assumir a responsabilidade política pelos deslizes éticos ao seu redor, a oposição deixou-se levar pelo equivoco de achar que o governo viria abaixo pela lei da gravidade. Ao cruzar os braços à espera do estrondo, o PSDB perdeu a oportunidade, não de dar o empurrão mas de ressalvar discordância de princípio com a desgastada hipótese do impeachment presidencial. O governo não cairia por si mesmo mas a oposição subiria no conceito daquela ampla faixa da cidadania que aposta na democracia. O pecado oposicionista foi situar-se acima da opinião pública e não desautorizar, no auge da crise, a versão golpista com ressalva formal, solene e republicana.


A consistência política perdida não se restaura apenas com omissão. Por culpa exclusiva do PSDB, a classe média, que era o tesouro da social–democracia, ficou de pé atrás desde a última sucessão presidencial, e sobre ela recaiu a responsabilidade histórica, mesmo não sendo o raio obrigado a reincidir no lugar em que caiu antes.


O responsável por tudo que se identifica como tendência ao impasse foi mesmo o PSDB, que nasceu paulista, no que tem de melhor mas também de pior, que é incapacidade de ser igual ao resto do Brasil e forçar a mão nas diferenças (sem ao menos disfarçar o júbilo). Desde o berço, faltou à social-democracia uma dose suficiente de sorte. Sacrificou-se como campo de batalha entre tendências políticas que podiam estar de acordo em relação aos fins socialistas propostos no século 19, mas levaram longe demais o desacordo quanto aos meios para chegar lá. A versão brasileira da idéia de coroar a democracia com o compromisso social não foi original nem diferente das variáveis que a Europa tentou em vão depois da primeira Guerra Mundial, e que variaram apenas nominalmente depois da segunda. Os partidos socialistas situam-se na fronteira e tendem a incorrer no pecado do neoliberalismo ou sucedâneos, por oportunismo ou coisa pior.


Na sua estréia nacional, o PSDB sempre se comportou como se fosse uma originalidade espontânea. Não reconheceu sua cota de culpa, nem soube evitar que ela lhe caísse no colo. Não se interessou pelos antecedentes brasileiros nem se preocupou em integrar-se à esquerda, com franqueza e responsabilidade democrática. Do seu lado, o PT inibiu-se com o poder e ninguém o preveniu de que suas contradições, cada vez mais acentuadas, também estarão de tocaia (se não for na eleição municipal, será em outra oportunidade, desde que haja eleição, óbvio).


A suspeita residual em relação à social-democracia, pelo menos no Brasil, não é sintoma de desconfiança, seja por inclinação (por absurdo) à esquerda, seja pelo risco de desvio político à direita. É mais um indício da suspeita de que o partido é ambidestro e apenas agrava a insuficiente credibilidade histórica, desde quando o fascismo e o nazismo levaram de roldão, nos anos 30, o que sobrara do passado.

Fonte: Opinião e Notícia

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