Pesquisa personalizada Google

Tristeza ou depressão?



Quem trabalha na área sabe que somos seres biopsicossociais. Acontece que cada um tem suas preferências teóricas e assim existe a "turma" do bio, a do psico e a do social. A depressão é um problema para todos os que não sabem operar com as 3 variáveis ao mesmo tempo. Os maioria dos psiquiatras clínicos ("bio") acha que quase tudo depende da concentração da serotonina nas sinapses cerebrais: quando ela fica baixa, nos sentimos fracos e tristes e passamos a ver a vida pela ótica pessimista que acaba interferindo sobre o estado mental e sobre nossas relações interpessoais. Os psicoterapeutas ("psico") acham que quase tudo depende de conflitos íntimos derivados de experiências dolorosas na infância e adolescência: inseguranças sexuais, baixa auto-estima dentre tantas condições negativas que nos deixam tristes, incompetentes para o amor e para as boas relações sociais, condição na qual também nos sentimos deprimidos. Os sociólogos ("sociais") acham que quase tudo acontece por força das circunstâncias que nos rodeiam: criamos um meio social mais voltado para a produção e o consumo, e nosso habitat, exigente e cada vez mais difícil, nos leva a um estado depressivo por não estarmos de acordo com todas as expectativas (riqueza, magreza, etc.).


Nunca me filiei a escolas e tenho horror a dogmas. Acredito na depressão como um tema complexo: as pessoas estão crescendo mais frágeis por força de uma educação mais permissiva e não estão sendo capazes de lidar com as pressões sociais que só têm crescido. Isso faz com que a incidência de quadros depressivos esteja crescendo efetivamente. Minha convicção é a de que se trata de um caminho de mão dupla: perturbações na química cerebral alteram a forma de pensar, ao passo que pensamentos equivocados, derivados de conflitos psicológicos íntimos ou de se ter que viver num meio social inóspito, provocam alterações na química do cérebro. Apesar de não parecer, o pensamento é o subproduto misterioso da atividade cerebral. Um subproduto curioso, uma vez que ganha poderes próprios, inclusive para interferir na atividade cerebral. É tudo muito complexo e a questão não cabe numa fórmula simplista. Assim, cada caso é um caso que deve ser estudado detalhadamente. O ramo é mais parecido com a "alta costura" do que com o "prêt-à-porter".


Na prática clínica é relativamente fácil sabermos quando estamos diante de uma pessoa portadora de boa tolerância às dores e que tem, em concomitância, uma constituição neurofisiológica privilegiada. Essas criaturas agüentam bem os golpes da vida: lidam com as tristezas inexoráveis da melhor forma possível. Vivenciam o sofrimento de uma forma lúcida e tentam extrair dele lições de vida. Saem fortalecidas de tudo o que passam, pois a autoconfiança se beneficia muito da constatação de que são competentes para os piores tombos sem se acovardarem em relação ao futuro.


As que têm uma labilidade maior em sua formação orgânica podem, por nada, acordar, numa madrugada, péssimas. O medo toma conta delas (medos irracionais correspondem a um dos mais importantes sintomas da depressão e estão presentes de forma muito mais marcante nos casos em que o problema é mais endógeno, menos dependente de fatores externos) e elas passam a ver tudo por uma ótica extremamente negra. Padecem, conforme cada caso, de vários dos sintomas que têm sido descritos como parte dos quadros depressivos que devem receber também tratamento farmacológico. Estas são as pessoas que têm a predisposição orgânica para a depressão e, neste aspecto de suas vidas, são anormais.


Entre estes dois extremos estamos quase todos nós: nem sempre tão competentes para lidar com nossas dores, nem sempre tão dóceis e tolerantes quanto gostaríamos, nem sempre em condições de superar sem ajuda estas e outras adversidades da vida. A verdade é que a fronteira entre o que é normal e o que é patológico corresponde a uma faixa muito extensa, de modo que uma tristeza pode se iniciar como algo normal e, com o passar do tempo, ganhar aspectos mais graves (quando o esperado seria sua superação). Pessoas deprimidas por força de razões orgânicas podem decidir se livrar sozinhas de suas dores e tratar de sair do seu estado sem o auxílio de medicamentos ou de psicoterapia. Como já escrevi, penso mesmo que cada caso é um caso.


Faço parte daquele grupo de profissionais que tem uma atitude de profundo respeito pelos pacientes e sua forma de pensar. Minha experiência é basicamente com pessoas normais, termo que uso para incluir também os que estão na faixa fronteiriça e que são a maioria de nós (por isso mesmo normais, ao menos do ponto de vista estatístico).


Considero que necessita tratamento, seja medicamentoso ou psicoterapêutico, aquele que procura, espontaneamente, ajuda. Sei que nos casos claramente patológicos muitas vezes o paciente vem trazido por parentes e isso faz todo o sentido. Nas demais circunstâncias, quem decide se precisa ou não de ajuda (querer receber ajuda não é sinônimo de estar doente de depressão) é o paciente. Ao profissional de saúde cabe prestar o auxílio desejado pelo seu paciente segundo os critérios que sua consciência e formação lhe sugerem.


Sei que tudo isso é muito mais difícil quando se trata de uma dor inexplicável, talvez a maior dor que se possa ter que passar nesta vida. A docilidade diante do destino que nos derrubou terá que ser maior ainda, a dor e o luto mais penosos; porém, penso que não adianta nada blasfemar e que o que temos que fazer é mesmo tentar seguir em frente e lançar mão de todas as nossas forças para tentar levantar o quanto antes. Se não conseguirmos fazê-lo sozinhos, devemos lançar mão tanto de grupos de auto-ajuda, como de medicamentos e psicoterapias.


Autora e Fonte: Graciele Girardello é neuropsicóloga em Cuiabá e escreve em A Gazeta aos sábados. E-mail: g.girardello@terra.com.br

0 comentários:

 
© 2007 Template feito por Templates para Você