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Leia capítulo do Livro que explica mudanças que marketing eleitoral trouxe às eleições


Livro explica mudanças que marketing eleitoral trouxe às eleições; leia capítulo


É verdadeira a noção de que os marqueteiros são capazes de "fazer e desfazer" uma eleição? No Brasil, os esforços de marketing são realmente capazes de influenciar a opinião pública e determinar o resultado de uma votação?

Essas questões são analisadas no livro "O Marketing Eleitoral" pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, mestre em comunicação pela Michigan State University (EUA), livre-docente pela ECA-USP, ex-correspondente da Folha em Washington e atual ombudsman do jornal.

Segundo o autor, que pesquisa o assunto desde 1975, o marketing eleitoral no Brasil é, no que se refere às técnicas que emprega, um dos mais avançados do mundo. Mas Silva defende a tese de que o marketing eleitoral não é fundamental nem prioritário na decisão do eleitor pelo seu candidato. O capítulo de introdução do livro pode ser lido abaixo.

"O Marketing Eleitoral" integra a coleção "Folha Explica", que ambiciona explicar assuntos relevantes em um contexto brasileiro e oferecer ao leitor condições para que fique bem informado e possa refletir sobre os temas a partir de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país. O livro está à venda no site da Publifolha.

Leia abaixo o primeiro capítulo de "O Marketing Eleitoral"

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INTRODUÇÃO

Nos 17 anos que se seguiram à primeira eleição de governadores de estado pelo sufrágio universal após o golpe militar de 1964, a importância atribuída pela opinião pública ao que se convencionou chamar de 'marketing político' só cresceu no Brasil.

Entre 1965 (quando a vitória da oposição ao novo regime na Guanabara e em Minas Gerais, dois num total de 11 estados, justificou o fim das eleições diretas para governos estaduais por quase duas décadas) e 1982, os principais cargos eletivos do Poder Executivo (presidente da República, governadores de estado e prefeitos de capitais e cidades de áreas de 'segurança nacional') foram preenchidos por nomeação militar referendada por colégios eleitorais sem representatividade nem legitimidade; nos pleitos para vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores, as restrições impostas ao livre acesso do candidato a seus eleitores via meios de comunicação eram tamanhas que não se podia falar de algo remotamente similar a marketing político no sentido atual.

Antes do movimento que depôs o presidente João Goulart, os meios de comunicação de massa --em especial a televisão-- ainda não tinham atingido universalmente o país como aconteceria dos anos 1970 em diante, circunstância que também impedia chamar de marketing político as atividades então exercidas para atrair eleitores, ao menos do modo que o conceito é atualmente entendido.

Como será visto adiante, isso não significa que até 1982 não se tivessem feito no Brasil esforços conscientes para influenciar a opinião pública em favor de pessoas, idéias ou organizações atuantes na vida política - uma das definições possíveis de marketing político, que ocorria por meios diferentes dos atuais, não tinha a denominação de agora nem merecia tanta proeminência como atualmente. Mas existia.

O objetivo deste trabalho é rever a literatura disponível sobre o assunto, discutir o conceito e os modos de que ele vem sendo empregado, em especial no Brasil, descrever a evolução histórica das atividades que o definem e desafiar crenças correntes, como a de que a sua prática faz da democracia representativa uma farsa ou a de que o especialista em marketing é capaz de 'fazer e desfazer' uma eleição. Na conclusão, o autor se permite expressar algumas opiniões individuais, fundamentadas nas evidências expostas.

As convicções sobre o poder incomensurável do marketing estão de tal forma disseminadas que influentes jornalistas chegam a sugerir --com sarcasmo, mas também um quê de seriedade-- o lançamento de candidaturas de especialistas em comunicação para funções públicas: 'chega de intermediários, um marqueteiro no Planalto'.1

Não que o marketing político seja irrelevante. Se, por estimativas conservadoras, o processo eleitoral consome, num ano como o de 2002 (em que presidente, governadores e integrantes do Congresso e das Assembléias Legislativas são escolhidos), quantias que vão de 0,5% a 1% do PIB, e se a quase totalidade desse dinheiro é gasta em atividades de marketing, é porque elas devem ter algum papel na definição dos resultados.

Mas também é provável que no Brasil se esteja dando a elas mais importância do que mereçam. É do interesse do próprio profissional da área supervalorizar sua capacidade de definir o resultado das urnas. Embora muitos marqueteiros neguem, em público, a condição de magos que lhes vem sendo conferida, é evidente que ela beneficia seus negócios. Também é do interesse do eleitor atribuir a outrem a responsabilidade por eventuais erros de decisão, quando um eleito se revela, no poder, incompetente ou corrupto. Portanto, atribuir ao marketing político mais influência do que tem é conveniente tanto para o marqueteiro (que assim valoriza o seu trabalho) quanto para o cidadão (que assim tem à mão um convincente bode expiatório sempre que a ocasião o exija).

O cientista político David Samuels, da Universidade de Minnesota, concluiu em estudo ainda inédito que a campanha para eleger um presidente brasileiro --em números absolutos-- custa mais do que a de um presidente americano. Por exemplo, Fernando Henrique Cardoso gastou em 1994 US$ 41 milhões, e Bill Clinton em 1992, US$ 43 milhões (mas no Brasil o principal item de custos da campanha americana - compra de espaço publicitário em rádio e TV - é gratuito; portanto, FHC gastou bem mais do que Clinton).2 É bastante possível que nos EUA, onde o marketing político tem muito mais tradição e é muito mais estudado do que aqui, e onde o princípio cultural de conhecer bem a relação custo/benefício e obedecê-la antes de fazer investimento é quase axiomática, as verbas com marketing sejam gastas com mais discernimento do que no Brasil.

No entanto, as largas quantias despendidas nessas atividades em qualquer país onde se realizam eleições são indicativas de um grande poder, pelo menos presumido. Ninguém em sã consciência rasga dinheiro. As hipóteses que aqui se pretende demonstrar como corretas são que esse poder do marketing político não é tão absoluto como muitos supõem, que seu efeito corruptor no processo eleitoral não é necessariamente maior nem pior do que o de outras práticas realizadas no passado (e ainda atualmente) e que o cidadão eleitor não é tão manipulável pelas técnicas de propaganda política quanto parece ser presa fácil (e não o é necessariamente) das de publicidade comercial.

Ao menos nas sociedades complexas contemporâneas, não há eleição pura e perfeita, livre de influências espúrias. Como argumenta Otavio Frias Filho: 'Qualquer pessoa informada sabe que o eleitorado só decide nominalmente na democracia, aqui ou onde for. Na realidade, e nem poderia ser diferente, o sistema político oferece ao eleitor um cardápio pronto. Seu direito de opção é a seguir manietado por influências poderosas como o peso da máquina e sobretudo o poder do dinheiro ilícito'.3 No Brasil, a apuração com o bico-de-pena, o 'eleitor-fósforo', o voto de cabresto, o curral eleitoral, o votante-fantasma provavelmente tiveram (e práticas comparáveis talvez ainda tenham) papel mais preponderante do que as atuais pesquisas de intenção de voto, programas e anúncios de rádio e TV e outdoors de campanha. Nos EUA, modelo --por merecimento indiscutível - de sociedade com sistema de democracia representativa, não é preciso buscar pleitos longe no passado (basta examinar o de 2000, que pôs George W. Bush na Casa Branca)4 para descobrir situações em que a legitimidade das eleições mais importantes do país - e do mundo - é colocada em dúvida sem grande esforço.

Se não pode tanto quanto se crê, quanto pode o marketing político? O marketing, segundo o psicólogo Curtis P. Haugtvedt, da Ohio State University, é um conjunto de esforços concebidos para 'criar, manter ou aumentar sentimentos e comportamentos positivos em relação a alguma pessoa, assunto ou objeto'.5 O mesmo autor, que trata do marketing comercial, procura demonstrar a complexidade do processo psicossocial que leva o consumidor a escolher um dentre muitos produtos de um mesmo gênero. Além de milhares de logotipos, faixas, outdoors, peças publicitárias em rádio, TV e cinema, malas diretas, telemarketing, merchandising em obras de ficção no cinema e na TV, há uma infinidade de motivações e valores individuais, criados e nutridos nos grupos sociais primários, e influências interpessoais cujo peso relativo na decisão final do comprador é quase impossível estimar com mínima precisão. Grupos de pessoas, ou mesmo cada uma delas isoladamente, podem buscar os mais diversos atributos num só produto ou preferi-lo por diversas razões, às vezes bastante racionais, outras vezes absolutamente aleatórias.

Um dos muitos lugares-comuns empregados para atacar o marketing político é a suposição de que ele transforma o candidato em sabonete. Essa acusação subestima até o mais baixo ponto a capacidade de raciocinar do cidadão. Apenas uma pessoa imbecilizada escolheria um governante com os mesmos critérios com que elege a marca de seu sabonete.

Os eleitores brasileiros já deram mostras suficientes de que não se deixam iludir com facilidade, e a ciência política nacional já produziu literatura suficiente para demonstrar que o comportamento eleitoral dos brasileiros por região, estrato social e outras variáveis demográficas, econômicas, ideológicas, geográficas e sociais é consistente e, até certo ponto, previsível, garantidas as 'condições normais de temperatura e pressão'.

Para não gastar muito espaço com exemplos, basta lembrar as duas vitórias de Leonel Brizola para o governo do Rio de Janeiro (em 1982 e 1990), apesar do empenho obstinado de quase todos os meios de comunicação de massa importantes naquele estado e do pequeno tempo de que seu partido dispunha no horário eleitoral gratuito comparado com o de seus principais adversários (sem contar o estilo retórico antiquado, quase arcaico em termos de marketing político, do candidato em sua campanha, inclusive a televisiva).

A eleição de Fernando Collor de Mello para a Presidência da República em 1989 é com freqüência citada como prova de que um candidato vazio de substância e de representatividade social pode ser construído como puro produto de marketing e acabar eleito para o mais alto cargo da nação. Como este autor procurou demonstrar em outro trabalho,6 não foi isso o que realmente aconteceu.

Collor, de fato, valeu-se dos dispositivos legais que garantem tempo na TV e rádio a qualquer legenda partidária (mesmo as ostensivamente criadas para serem alugadas) --pretensamente democráticos, mas de fato demagógicos e deletérios aos interesses nacionais--, para aparecer em três programas eleitorais gratuitos destinados a partidos de conveniência dos quais se apropriara (PRN, PTR e PSC). Entre 30 de março e 18 de maio de 1989, ele apareceu na TV em apresentações indiscutivelmente bem concebidas e realizadas, e conseguiu pular nas pesquisas de intenção de voto de virtual zero para 40%.

Não há dúvida de que esses produtos de marketing contribuíram grandemente para a eventual vitória de Collor. No entanto, se as propostas do então governador de Alagoas não tivessem correspondido às expectativas do grosso do eleitorado, ele poderia ter aparecido dezenas de vezes mais na TV sem que isso resultasse em ganho eleitoral.

O personagem --desconhecido, carismático e com discurso anti-establishment-- ganhou súbita notoriedade. E, como a literatura sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa comprova há pelo menos cinco décadas, quanto mais um assunto é ignorado pelo público, maior a possibilidade de as pessoas, num primeiro momento, se deixarem convencer por aquilo que os meios dizem a seu respeito.

Depois que Collor se tornou mais conhecido, o efeito positivo de sua imagem como alguém novo diminuiu; seu índice nas pesquisas de intenção de voto despencou. A partir de 15 de setembro, quando os 22 candidatos presidenciais passaram a aparecer no rádio e na TV com tempo proporcional à bancada de seus partidos no Congresso, as intenções de voto em Collor caíram do patamar anterior para níveis compatíveis com sua expressão política.

Se tempo de exposição na TV e no rádio ganhasse eleição, Ulysses Guimarães (PMDB), com mais que o dobro de minutos diários de mídia eletrônica que Collor e Lula juntos, deveria ter acabado pelo menos como um dos finalistas no segundo turno. Supostamente ao lado de Aureliano Chaves (PFL), que tinha mais de 60% mais que o tempo colocado à disposição de Collor e Lula. A campanha de marketing de Ulysses gastou 13 vezes mais em recursos que a de Collor e 100 vezes mais que a de Lula. No entanto, Ulysses terminou em sétimo lugar, com 4,4% dos votos, e Aureliano em nono, com 0,83%. Para a fase final, foram os candidatos do PT (16%) e do PRN (28,5%).

Seu êxito se deveu menos ao marketing e mais ao conteúdo da mensagem que eles, sincera ou hipocritamente, passavam: de oposição ao estado de coisas vigente, de novidade, de reforma social. O que definiu a vitória de Collor pode ter sido o preconceito de classe, o fraco desempenho de Lula no segundo debate entre os dois (talvez causado pelo abalo psicológico que a revelação do caso Lurian --sua filha de uma relação fora do casamento-- lhe causara), o conservadorismo e a despolitização da maioria do eleitorado, a identificação entre muitos eleitores com a bandeira anticorrupção tão brandida pelo candidato do PRN, sua simples e ostensiva demagogia, a 'onda conservadora' pelo mundo afora (comandada por Thatcher e Reagan). Ou todos esses fatores (e ainda outros) juntos. Inclusive a eficiente campanha de marketing político que lhe prepararam seus assessores.

Com certeza, no entanto, não foi a novela "Que Rei Sou Eu?", que muitos críticos adeptos de teorias conspiratórias enxergaram como apoio sub-reptício à sua campanha. Nem a simpatia pela candidatura Collor de vários veículos de comunicação de massa. Nem a qualidade telegênica dos seus programas eleitorais. O mundo da política é muito mais complexo do que a teoria segundo a qual marketing é uma atividade mágica que decide eleições. Este é o cerne da tese que se vai tentar comprovar nas próximas páginas.


1. Elio Gaspari, 'Nizan Guanaes Para Presidente'. Folha de S.Paulo, 19/12/2001.
2. Apud Carolina Juliano e Cristina R. Durán, 'As Cédulas da Eleição Eletrônica'. Valor Econômico, 25/1/2002.
3. Otavio Frias Filho, 'Enquanto É Tempo'. Folha de S.Paulo, 14/3/2002.
4. A eleição presidencial de 2000 foi a mais conturbada da história dos EUA. Seu resultado só foi definido 36 dias depois do pleito e como resultado de intensa luta judicial, resolvida pela Suprema Corte do país (cinco votos a quatro), a respeito da validade de algumas dezenas de milhares de cédulas eleitorais no estado da Flórida. Os dois candidatos - George W. Bush e Al Gore - trocaram acusações de fraude em diversos distritos eleitorais da Flórida e em outros estados.
5. Curtis P. Haugtvedt, 'What Do People Really Want?'. Future, 1 (2001); p. 17-8. Todas as traduções citadas no texto são de minha autoria, exceto quando indicado.
6. Carlos Eduardo Lins da Silva. 'The Brazilian Case: Manipulation by the Media?'. Em: Thomas E. Skidmore (ed.), Television, Politics and the Transition to Democracy in Latin America. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1993; p. 138-44.

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"O Marketing Eleitoral"
Autor: Carlos Eduardo Lins da Silva
Editora: Publifolha
Páginas: 96
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou no site da Publifolha



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